... Minha mãe nem percebia que por traz do quarto todo rosa
que meus pais decoraram com toda ternura, coraçõeszinhos pintados, estava uma
Dark Punk Loka de mão cheia, revoltada com o sistema, fã de carteirinha
de Sex Pistols e Dead
Kennedys, meu nome é BarbeKill, meus pais diziam que eu me chamava Barbara, mas eu mudei logo isso desde o início...
Minha vida funcionava num grande esquema...
Meus amigos me aguardavam na esquina, o sinal era meu pai
apagar as luzes e assim 27 minutos depois, eu podia sair sem ser vista nem
censurada, era a verdadeira sensação de liberdade, era a lua da madrugada nas
ruas abandonadas, meu olhar brilhava, acredito que muitos que experimentaram
essa sensação não puderam agir mais com indiferença depois das 21:00h depois da
primeira vez...
Sempre quis tudo, absolutamente tudo a minha maneira, as
vezes bizarra demais, até por exemplo a virgindade que eu detestava ter, se foi
numa masturbação com o controle da TV assistindo Odeio Cris que eu amava,
pensei que seria melhor me dar aos meus próprios sentidos, sentir a força do
meu próprio pulso e impulso do que deixar com um piru qualquer, um simples
garoto bobo, pra mim homem é feito de carne crua e só, não gosto do que
os homens são, no fundo todos os caras só queriam mesmo um "gozador"
lubrificado, e uma vagina nova e fresca para jorrar, eu não queria dar minha
primeira transa pra qualquer moleque e de fato isso de me dar foi ótimo, pois,
depois pude realmente perceber sem traumas, como é bom se dar a quem se quer,
sem medo de ser sacaneada ou qualquer coisa do gênero na puberdade.
Eu sempre fui muito com a cara das pessoas, a franqueza que
não é muito peculiar em minha personalidade, apesar de gostar da verdade nunca
soube usala corretamente e paguei caro por isso, às vezes ficava em maus
lençóis...
Certa vez ao ser presa no ano passado por furto a uma senhora
de uns 40 anos que saía de uma loja de conveniência, o filha da puta do
policial perguntou:
- Uma menina tão nova e sem vergonha na cara, tu é viciada?
- Eu respondi que sim só para ver a cara dele de pastel, não
foi uma boa idéia, tomei um cacetada nas pernas que doeu por meses e depois me
levaram para um centro de reabilitação, a ironia era que eu nem mesmo fumava
cigarro, bebida é água, não gosto de nada, acho que sou a única ser do planeta
que não gosta de Coca-cola, nem de sucos coloridos, nem de refrescos
dietéticos, água é um barato, é barata, mas não adiantou explicar depois que só
queria dinheiro pra pagar uma aposta de subir o Pão de Açúcar, eu não era
marginal que não poderia deixar de viver na sociedade, eu merecia uma coça da
minha mãe e um castigo sei lá.
Hoje me encontro aqui, internada na Clinica de Todos os
Santos no interior do RJ, perto do fim do mundo, o faxineiro disse que estamos
próximos a Porciúncla, uma vez soube por minha avó que uns primos moravam pra
essas bandas, mas como eu era do subúrbio do Rio em Engenho Novo, não conhecia
nada aqui, tinha um morro e o sol caía lá todo dia, eu dizia que lá acabava o
mundo, pois a noite aqui não é legal, tem horas que não me importo, mas é meio
vergonhoso se ver aqui, mas ao mesmo tempo me engrandece muito perceber que não
sou louca, ou será que sou? Será que fiquei?
Nem mesmo meus pais quiseram me visitar, minha mãe veio com
meu irmão uma única vez, ele me olhava com cara de raiva e ela chorava e
passava a mãe em meuy cabelo, depois que chorou levantou e foi embora, disseram
a assistente social Iracema que virou minha mãe, em quem compra minhas
coisinhas simples, uma saia, um batom, que a educação que recebi não cabia tal
comportamento pediu aos berros que me dessem o melhor ou pior dos corretivos
para que eu saísse daquele local realmente sabendo diferenciar o que é certo e
o que não é na vida, deram carta branca pra me castigar, descobriram minhas
saídas na madrugada, caiu tudo de uma vez e eu estava num hospício dopada.
Pois bem, estou aqui a alguns dias, algumas semanas,
alguns meses eu perdi a algum tempo a noção do tempo, era dia e noite e domingo
que só ficavam os plantonistas.
Pela manhã ganho um copo de café com leite sem açúcar duas
bolachas murchas , prefiro pensar que estão macias, e uma injeção de cor
avermelhada que queima a pele da minha bunda, fica como se eu tomasse um
beliscão forte, a enfermeira que parece um carrasco, ela não ri, não se
comunica, parece medieval, só diz:
- O remédio é para me fazer melhorar Barbe
(todos me chamavam de
Barbekill até aqui).
- Eu dia a ela: Melhorar o que? Não tenho nada de errado, meu
único erro foi mentir quando o guarda que me perguntou se eu era viciada, minha
vida ficou toda revirada, perdi minha casa, perdi meu olhar, mas mesmo assim eu
tomo teu remédio, se estou no hospício é melhor eu me endoidar.
Lá pelas 09:00 já estou nas nuvens, tudo fica meio desfocado,
outro dia um menino bateu com minha cabeça na parede e eu não conseguia para de
rir.
Acho que estou apaixonada pelo faxineiro, acredito que os
médicos pensaram que eu estava piorando, me puseram numa ala avançada, isso
mesmo área afastada de todos os outros malucos nível médio, era engraçado, pois
eu tinha um pinico e não conseguia pega-lo a tempo da vontade, a roupa era
trocada quase todo dia, infelizmente as injeções se repetiram agora em 2 turnos
e não eram mais vermelhas, eram brancas, o que fazia minhas noites serem um
pouco desconfortáveis, não conseguia pedir ao enfermeiro que comunicasse meus
pais sobre o que estava acontecendo, pensei quanto tempo deve demorar em eu
sair daqui?
Quanto merece sofrer uma pessoa, se mijar é um castigo eu
pensava ou será que é uma terapia, tinha menos de 15 anos e já era maluca,
minha tia ficou doida com 32, será que tenho defeito, será que esses remédios
vão me curar, o que é me curar? Como saberei se estou normal, tenho a sensação
de ter perdido o eixo e isso às vezes me deixa angustiada, pois quero ser
alguém importante quando amadurecer e deixarem sair daqui, meu Pai é reformado
da Marinha e sempre falava que queria a filha dele vestida numa farda branca,
será que um dia vestirei a farda? E se eu me mijar na farda, será que também
vão me dar injeções brancas ou vermelhas?
Perdi a noção do tempo e minha cabeça agora só responde e
esclarece as perguntas que eu mesmo faço e ninguém me diz o que é certo, ou o
que é errado, o mundo parece que acabou, o doutor só me diz que estou em
tratamento e não posso cuspir quando falo, que devo pegar meu pinico quando
quiser fazer minhas necessidades, mas isso eu sei, ele não percebe que eu sei,
mas não estou conseguindo, eu explico a eles que o remédio me confunde e eu me
perco e eles dizem que é normal, que logo-logo eu vou pra casa e voltar a
estudar, mas não me olha nos olhos, fica o tempo todo olhando e escrevendo, só
me olha quando examina, sou só um corpo.
Um dia a mulher que nem cheguei a roubar bateu no hospital
foi a minha Ala visitar-me, ela estava vestida de branco como todos e
começou a me contar como era a vida de verdade...
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